quinta-feira, 15 de março de 2012

Em defesa da Comissão da Verdade e o Jogo da Direita

Pedro Albuquerque
Publicado: 8 de março de 2012 às 15:15 | Blog do Eliomar de Lima | Categoria(s): BrasilCearáDireitos HumanosDitadura | Sem Comentários

Como título “A Direita brasileira, a Democracia e a Comissão da Verdade”, eis artigo do professor e advogado Pedro Albuquerque. Ele analisa a postura da direita brasileira, que “camufla seus apetites autoritários em falsos discursos de defesa da democracia”. Ele defende a Comissão da Verdade, alvo preferencial da direita no momento. Confira:

 
A direita brasileira é diferente das direitas do Chile, da Argentina, da Europa e dos EUA. Essas direitas assumem suas bandeiras, aceitam a disputa do jogo eleitoral democrático, organizam-se em partidos políticos, tornam transparentes seus pleitos, mesmo os que pedem a deflagração de guerras ou tratamento cruel para presos comuns e políticos. A direita brasileira não tem essa tradição. Aqui ela não participa do jogo democrático, dos partidos políticos, camufla seus apetites autoritários em falsos discursos de defesa da democracia. A direita brasileira age nas sombras, nos vácuos de poder, é carpideira de apoios fardados, infiltra-se nos partidos e nos movimentos sociais não para fazer política, mas para praticar a antipolítica com incentivos a ações de provocação.
A direita brasileira é uma força social provocadora de crises para delas tirar proveito. Ela está fortemente presente nos clubes de militares das forças armadas, entidades que são por ela circunstancialmente aparelhadas e instrumentalizadas com o fim de criar tumultos políticos, o enfraquecimento e a desmoralização de governos democráticos, sejam esses governos de liberais, do centro, do centro-direita ou de esquerda. Ela não está parada. Está agindo. Está conspirando. Não é difícil identificar por onde andam a pousar essas aves de rapina. São grupos formados, no seu braço mais ativo, por ex-militares e ex-policiais que participaram da repressão, que torturaram e comandaram torturas, que praticaram assassinatos de adversários da ditadura e deram respaldo aos grupos de extermínio de brasileiros pobres infratores da lei, e por seus cúmplices, militares e civis.
Atualmente, essa direita se articula em torno da bandeira contra a Comissão da Verdade e constrói seu discurso nos velhos moldes do pseudomoralismo. É um grande erro político estratégico localizar essa direita nas forças políticas institucionalizadas que fazem oposição ao governo federal, como são os casos do PSDB, do DEM, do PPS. Essa direita a qual me refiro se lixa para a institucionalidade democrática. O que ela busca é a institucionalidade sem legitimidade popular, é a homogeneização da política em torno de um projeto único e autoritário, a eliminação das políticas sociais e culturais que dão conta do avançado estágio em que o Brasil se encontra, no reconhecimento dos direitos das minorias sociais, cujos exemplos mais marcantes são o direito reconhecido para as relações homoafetivas, para as populações indígenas, as ações afirmativas, a função social da propriedade privada, o ativismo judiciário que atualiza direitos sem necessidade da existência de leis positivadas, mas com esteio nos desígnios principiológicos da nossa Carta Magna, a possibilidade da existência de governos comprometidos com a igualdade social, a efetivação dos direitos humanos e da livre expressão do pensamento e do direito cidadão de se organizar social e politicamente. Enfim, essa direita é contra a Constituição de 1988 e o estado democrático e de direito. Essa direita tem verdadeiro pavor a disputas eleitorais quer por razões de ordem prática (não é boa de urna), quer por razões ideológicas (para ela, disputa eleitoral é fator de desestabilização da ordem).
Não devemos entrar em seu jogo provocador. Não se deve dar resposta política a suas notas e manifestos, pois qualquer posição reativa significa dar legitimidade a quem só quer solapar a institucionalidade democrática. Mas, isso não significa passividade e omissão. Pelo contrario, é preciso fazer o que não se tem feito. Tomemos como exemplo a Comissão da Verdade. É preciso tirar essa Comissão do gueto, trazê-la para o seio da sociedade. Nossa ação deve ser afirmativa e protagônica. É chegado o momento de mobilizar intelectuais, estudantes, trabalhadores, religiosos, empresários, organizações do campo democrático como sindicatos, OAB, Ongs e tantas outras, para o apoio à instalação e funcionamento da Comissão da Verdade. Levar os objetivos para os quais foi criada para as universidades e locais de trabalho a fim de que se transformem em objetivos da sociedade, em esteios da efetivação da democracia e em barreira para qualquer aventura política não democrática.
O produto dessa Comissão, para além de recuperar a memória e encontrar a verdade sobre as mortes, as torturas e seus perpetradores, os locais onde esses crimes foram cometidos, as fontes de financiamento dos centros de terror, deve produzir recomendações politicamente imperativas que levem a uma profunda mudança institucional das nossas Forças Armadas. Mudanças que implicam o seu mais radical ajustamento institucional aos ditames da Constituição de 1988, desde a doutrina que é professada nas escolas de formação de oficiais e praças, à incorporação do espírito de subordinação ao poder civil como valor a ser cultuado. Não são as Forças Armadas a «nação em armas» como soem dizer certos militares. Elas são brasileiros(as) em armas, institucionalmente organizados a serviço da nação e, por isso, subordinados ao poder legitimado pelo voto popular e legalmente representado e condensado na figura de seu/sua comandante em chefe, o(a) Presidente(a) da República.
* Pedro Albuquerque,
Sociólogo, advogado e professor.

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